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A HISTÓRIA DAS OITO VACAS DE JOHNNY LINGO – Patricia McGerr -
Quando viajei de vapor
para Kiniwata, uma ilha no Pacífico, levei um caderno de anotações. Ao voltar,
trazia-o cheio de descrições da flora e da fauna, dos costumes e trajes nativos.
Mas a anotação de que mais gosta é a que diz: “Johnny Lingo deu oito vacas ao
pai de Sarita.” Lembro-me dela sempre que vejo uma mulher humilhando o marido
ou uma esposa murchando por causa do desprezo do seu cônjuge. Sinto vontade de
dizer-lhes: “Vocês deviam saber por que Johnny Lingo pagou oito vacas pela
esposa’
Johnny
Lingo não era seu nome verdadeiro. Mas assim o chamava Shenkin, o gerente da
casa de hóspedes em
Kiniwata. Shenkin vinha de Chicago e tinha o hábito de
americanizar os nomes dos ilhéus. Mas muita gente chamava johnny desse jeito.
Se eu quisesse passar alguns dias na ilha vizinha, Nurabandi, Johnny me
levaria. Se quisesse pescar, ele me mostraria o lugar ideal. Se buscava
pérolas, ele conseguiria as melhores barganhas. Embora todos em Kiniwata se
referissem a Johnny Lingo com grande respeito, ao mesmo tempo falavam dele com
um sorriso meio zombeteiro.
—
Peça a Johnny Lingo para ajudá-la a encontrar o que deseja e deixe-o pechinchar
— aconselhou-me Shenkin. — Johnny sabe fazer negócios.
Um
menino sentado por perto morreu de rir:
— Johnny Lingo! —
repetiu.
Fiquei intrigada:
— O
que é que há? Todos me mandam procurar Johnny Lingo e depois dão risada. Qual é
a graça?
— Oh, as pessoas gostam
de rir -- disse Shenkin, dando de ombros. — Johnny é o rapaz mais inteligente
das ilhas e, para a idade, o mais rico.
Continuei
sem entender:
— Mas
se ele é como você disse, qual o motivo do riso?
— Só
uma coisa — Shenkin respondeu. — Há cinco meses, no festival de outono, Johnny
veio a Kiniwata e encontrou uma esposa. Pagou ao pai da moça oito vacas.
— Deus
do céu! — não pude deixar de exclamar.
Duas ou três vacas comprariam uma esposa de bonita a média, e quatro ou cinco,
uma mais do que satisfatória.
— Não é feia — admitiu Shenkin, com um
sorrisinho. — Mas os mais caridosos diriam que Santa é sem graça. Sam Karoo, o pai, tinha medo
de que ela ficasse encalhada.
Não pude deixar de me espantar:
— E
aí recebeu oito vacas por ela? E por que você a acha sem graça?
Shenkin sorriu de novo:
— Eu disse que seria caridade
chamá-la de sem graça. Era magrela. Andava com os ombros caídos e a cabeça
baixa. Tinha medo da própria sombra.
Bem,
acho que não há explicação para o amor — concluí.
— Os aldeões riem quando falam
de Johnny — Shenkin continuou. — Sentem uma satisfação especial pelo fato de o
comerciante mais esperto ter sido enrolado pelo burro do Sam Karoo. Imagine
que os primos de Sam lhe disseram para começar pedindo três vacas e fincar pé
em duas até ter certeza de que Johnny pagaria apenas uma. Aí Johnny procurou
Sam Karoo e disse: “Pai de Santa, eu lhe ofereço oito vacas por sua filha.”
— Oito vacas — murmurei. — Eu gostaria de conhecer
esse Johnny Lingo.
Eu queria peixe. Queria
pérolas. Assim, na tarde seguinte, aportei com meu barco em Nurabandi. E notei,
ao perguntar onde ficava a casa de Johnny, que o nome não provocava sorrisos
zombeteiros nos ilhéus. Quando o rapaz esbelto e sério me recebeu com graça em
sua casa, fiquei contente ao ver que sua própria gente o respeitava. Sentamos e
conversamos. Quando ele soube que eu vinha de Kiniwata, perguntou:
— Falam de mim naquela ilha?
—Dizem que o senhor me ajudará a conseguir
qualquer coisa que eu queira — respondi.
Seu sorriso foi delicado:
— Minha esposa é de Kiniwata. Falam dela?
— Um pouco — tive que admitir.
A pergunta seguinte me pegou
de surpresa:
— O que dizem?
— Disseram que o senhor se casou durante a festa de
outono — tive que responder. Johnny continuou sorrindo. — Também dizem que o acordo de casamento
foram oito vacas. Fiz uma
pausa. — Eles se perguntam por quê.
— Eles perguntam isso? — Seus
olhos brilharam, cheios de prazer. — Todo mundo em Kiniwata sabe a respeito das
oito vacas? — Assenti com a cabeça. Ele prosseguiu: — Em Nurabandi todos também
sabem. — Seu rosto encheuse de satisfação. — Daqui para a frente, sempre que
falarem de acordos de casamento, lembrarão que Johnny Lingo pagou oito vacas
por Santa. Ali estava a resposta, pensei — vaidade.
Então eu a vi. Ela entrou na sala e
colocou flores sobre a mesa. Ficou parada um instante,
sorriu para o rapaz ao meu lado e tornou a sair. Era a mulher mais bonita que eu já vira. A postura ereta, a
inclinação do queixo, o brilho nos olhos, tudo demonstrava a consciência de um
orgulho a que tinha direito.
Ao voltar-me para Johnny Lingo, ele me olhava.
— A senhora a admira? —
ele perguntou.
— Ela... ela é gloriosa — eu disse.
— Só existe uma Santa —
ele afirmou sereno. — Talvez seja diferente da descrição que lhe fizeram em
Kiniwata.
— Muito diferente fui sincera.
— Me disseram que ela era sem graça e que o senhor se deixou tapear por Sam
Karoo.
Um sorriso deslizou por seus lábios:
— A senhora acha que oito
vacas foi demais? — perguntou.
—
Claro que não, mas como é que ela pode estar tão diferente? — não pude deixar
de dizer.
— A senhora já pensou —
ele perguntou — o que deve significar para uma mulher saber que o marido pagou
o mais baixo preço para comprá-la? Quando as mulheres conversam, elas se gabam
do que o marido pagou por elas. Uma diz quatro vacas, outra, talvez seis. Como
se sente a mulher vendida por uma ou duas? Isso não podia acontecer com a minha
Santa.
— Então,
o senhor fez isso só para fazê-la feliz?
Então,
ele olhou para mim, sério:
— Sim, eu queria que
Santa ficasse feliz. Mas queria mais do que isso. A senhora diz que ela está
diferente. É verdade. Muitas coisas são capazes de mudar uma mulher. Coisas que
acontecem por dentro, coisas que acontecem por fora. Mas o que mais importa é o
que ela pensa sobre si mesma. Em Kiniwata, Santa achava que não valia nada.
Agora sabe que vale mais do que qualquer outra mulher das ilhas.
— Então o senhor
queria... — manifestei espanto. Ele prontamente afirmou:
— Eu queria me casar com
Santa. Eu a amava, e a nenhuma outra.
Comecei a compreender:
—Mas...
Ele concluiu suavemente:
— Mas eu queria uma mulher de oito vacas.
Uma das definições de
liderança que sempre usei em todos esses anos:”Liderar é comunicar o valor e o
potencial das pessoas com tanta clareza que as inspiro a vê-los nelas mesmas.”
Todo ser humano, do berço à sepultura, reage positivamente ao respeito. Reage
às pessoas que vêem o que há de bom nele e trazem à tona o seu potencial
oculto. Isso se reflete na postura, no rosto, no tom de voz. E, embora nem
todos se tornem belos fisicamente como Sarita, a beleza interior brilhará de
uma forma que, para mim, influencia significativamente a presença física e traz
nova luz aos olhos.
Transcrito com muita emoção.
Cuiabá-MT, 17 de Outubro de 2.013.
Pr. Elias Souza & Quitéria